Na caminhada científica, um objeto de estudo pode motivar outras pesquisas e conectar fronteiras. No caso do professor Marcos Henrique Barbosa Ferreira (IGPA/PUC Goiás), o interesse em investigar a segregação espacial combinada ao racismo inspirou uma pesquisa de campo realizada no México, que lhe rendeu o prêmio de melhor tese do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFG, do ano de 2020.
Essa caminhada ganhou impulso quando o professor estudava a invibilização das favelas em Goiânia. Ao sondar a história, o imaginário social e o projeto de construção da cidade, Marcos encontrou evidências que reforçam a ideia de que não existem favelas em Goiânia, sendo que elas estão presentes, mas são invisibilizadas.
“Quando surgiu a oportunidade de ir para o México, eu continuei dentro do mesmo campo de questões, mas agora pensando a segregação espacial de populações indígenas em contexto urbano, porque a presença dos indígenas nas cidades mexicanas é muito forte”, conta.
Intitulada Etni(cidades): racismo e vida urbana entre os mayas em Mérida, a tese discorre sobre os padrões e tipos de segregação que atingiram essa população ao longo da história dessa cidade, que é a capital do estado de Yucatán, no sudeste do México.
Por meio da sua pesquisa, o professor mostra que o racismo impacta cotidianamente na vida das pessoas e na forma como o espaço da cidade está organizado: o acesso aos serviços (saúde, transporte, educação, etc) definem o grau de precariedade com o qual as populações convivem.
Um dado importante compartilhado pelo pesquisador é que 50% da população de Mérida é indígena. Apesar de representarem metade da população total, os indígenas vivem em bairros específicos, que são marginalizados e estigmatizados, tratados como regiões violentas e perigosas, ideias que, muitas vezes, não correspondem à realidade.
“Isso é fruto de um imaginário social racista, que vai atribuindo significados a esses bairros por conta da forte presença indígena. Há várias regiões da cidade onde os indígenas praticamente não circulam. Existem barreiras simbólicas e invisíveis, que vão definir espaços de indígenas e espaços de não indígenas”, relata.
De acordo com Marcos, essa definição rígida e, de certa forma, violenta, de espaços indígenas e não indígenas, implica na territorialização do espaço da cidade, ou seja, na definição de fronteiras urbanas, que podem ser físicas ou simbólicas.
“Essas populações estão convivendo o tempo inteiro com distintas formas de violência por conta da sua aparência física, das especificidades da comunicação verbal (o espanhol que eles falam tem um sotaque diferente), dos seus hábitos culturais e por causa do seu sobrenome indígena”, pontua.
Esses sinais, segundo o pesquisador, são marcadores sociais da diferença, que produzem distintas formas de racismo e violência sobre essas populações.
Ponte: Brasil e México
O professor também informa que seu interesse é aprender com a experiência mexicana para compreender a realidade das cidades brasileiras, onde a presença indígena tem crescido nos últimos anos.
De acordo com o IBGE, pouco mais de 2 mil karajás vivem em Goiânia – um número considerável tendo em vista a população total – dado, que, segundo Marcos, desperta vários questionamentos: “saber onde eles moram, como constroem suas redes de solidariedade, quais as dificuldades de acesso às políticas públicas e o nível de precariedade com o qual convivem no espaço urbano, tudo isso, são aspectos e dimensões que a gente chama de segregação espacial”, explica.
Também é importante elucidar alguns contrastes entre o Brasil e o México, uma vez que a colonização espanhola teve especificidades em relação à colonização portuguesa.
Embora a miscigenação tenha sido mais forte no Brasil, isso não significa que não existido racismo e violência por aqui. Ao mesmo tempo, ele pontua que a questão da segregação e da divisão das etnias ocorreu de uma forma mais forte no México e outras colônias espanholas.
“O uso da mão de obra escrava indígena lá foi muito forte, bem diferente do que aconteceu aqui no Brasil, com o tráfico de escravos vindos da África. Quando os espanhóis chegaram, eles aproveitaram a estrutura de organização que eles já possuíam (pirâmides, sistemas de irrigação, etc) para implantar seu modelo de exploração: arrecadar impostos, e explorar mão de obra”, compara.
A estância de pesquisa de doutorado do prof. Marcos foi realizada no Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS/México).
A pesquisa de campo contou com apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Prope) da PUC Goiás. A tese de doutorado sanduíche, subsidiada com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), foi defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFG, com orientação da Profa. Dra. Janine Helfst Leicht Collaço.
Currículo
O prof. Marcos Ferreira é doutor em Antropologia pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009) e graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás (2006). Atualmente, realiza estágio de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em História da PUC Goiás.
Tem experiência em pesquisas nas áreas de Antropologia Urbana, Antropologia da Arte e Relações Interétnicas. Desde 2014, é professor da PUC Goiás, vinculado ao Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA).