Em uma solenidade carregada de emoções e simbolismo, um formando em especial teve ainda mais motivos para comemorar a graduação em Direito. Há 11 anos, a vida de João Cláudio Lopes da Silva, 28, sofreu uma reviravolta. Ainda no ensino médio, ele enfrentou o primeiro de uma série de desafios que estavam por vir e que deixariam marcas permanentes, mas incapazes de fazê-lo desistir do seu sonho. Na época, o estudante descobriu um tumor cerebral, que o deixaria cego. Desde então, foram oito cirurgias – ele se prepara para a nona -, mas nenhuma delas capaz de abalar a determinação de fazer um curso superior.
Se para chegar à universidade cada estudante enfrenta suas próprias batalhas, seja de preparo, apoio da família, dificuldade financeira e até falta de oportunidade, João Cláudio fez da sua, a cegueira, um capítulo de uma história de superação e sucesso. Para muitos, conviver com a cegueira é levar uma vida no escuro, mas, para o agora bacharel em Direito, sua limitação foi um motivo a mais para não desistir.
Apesar dos “nãos” recebidos durante sua trajetória – nenhum cursinho recebeu o aluno para o preparatório – João Cláudio manteve-se firme e, com seu mérito pessoal, conquistou a vaga para o curso de Direito da PUC Goiás em 2014, após aprovação no Vestibular. Quando o assunto é estudante com deficiência, independente de qual, João Cláudio não está sozinho, mas o número de pessoas que chegam onde ele chegou ainda é pequeno.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) revelam que dos 8,45 milhões de estudantes brasileiros no ensino superior, apenas 43.633 possuem deficiência, o que representa somente 0,5% do total de alunos do país. Na universidade, ele contou com apoio do Programa de Acessibilidade para ter acesso a um ensino de fato e de qualidade. Como ele, o programa acolheu, em 2018, 224 estudantes com diferentes necessidades educacionais.
Cada aluno possui necessidades diferentes, por isso necessitam de acompanhamento e adaptações específicas. E também por isso, cada curso da PUC possui um professor coordenador que orienta os colegas e adapta as atividades para que o estudante com algum tipo de dificuldade possa realiza-las e absorver ao máximo o conhecimento oferecido.
Apesar de saber braile, João Cláudio sempre preferiu usar o computador para ter acesso ao conteúdo através de um programa que faz a leitura de textos. Ao conteúdo adaptado, somaram-se livros em braile doados pelo pai de uma amiga. E assim como recebeu ajuda, João Cláudio quer fazer o mesmo para quem, como ele, possa precisar. Os livros em braile que recebeu foram doados para a biblioteca da universidade.
Nas provas, contou com o acompanhamento de um ledor, estagiou no Núcleo de Práticas Jurídicas e se tornou monitor, mostrando que não existe nada capaz de transformar em escuridão a vida daquele que tem ânsia por se iluminar pelo conhecimento. E seu caminho está só começando: João Cláudio ganhou uma bolsa de estudos, oferecida pelo coordenador do programa de acessibilidade no curso de Direito, Frederico Alves; e um óculos com tecnologia que o permite ler, doado por Ronilsson Silva, militante dos direitos das pessoas com deficiência.
No palco da colação de grau, no Teatro do Centro de Convenções da PUC, João Cláudio ainda teve o desafio de manter o coração no lugar, quando este parecia querer sair pela boca ao receber seu canudo. E para completar uma noite mágica, de emoção e ensinamento, João Cláudio leu, pela primeira vez, com os óculos que recebeu. No texto, o reconhecimento de sua competência, do seu compromisso e da sua participação ao escrever mais um capítulo da sua vida, que se entrelaça com a da PUC Goiás.
Um diploma e um amor
Nem só de desafios foi o período em que João Cláudio cursou Direito. Durante os anos de faculdade, ele foi apoiado pelos colegas, que chegaram a entrar na Justiça para que ele tivesse acesso a um par de óculos com tecnologia para ler. Enquanto o processo está em andamento, ele recebeu a doação do acessório feita por Ronilsson Silva. “As pessoas precisam de oportunidade e ele pode fazer sua parte”, explica.
Entre os colegas está Sibilla Aldi Pereira, advogada, que se tornou monitora voluntária no último ano do curso e conheceu o João Cláudio. “Ele é muito inteligente e esperto e sempre dizia para eu ler mais rápido”, conta ela, que ajudou o estudante a montar as peças necessárias em um dos períodos do curso e deu apoio para o trabalho de conclusão de curso, com leitura dos artigos e a digitação da pesquisa. O resultado valeu nota máxima da bancada do curso. Hoje a relação dos dois é de amizade, tanto que é Sibilla ajudou o amigo a se preparar para a prova da OAB.
João Cláudio sonha em advogar. “No Direito, eu me achei. Faço sustentação oral, me tornei independente dentro da universidade e os professores sempre me abraçaram, encontramos juntos a solução”, explica João Cláudio, que sonha em exercer a profissão.
Os planos para o futuro são acompanhados de perto pela esposa, Angelita Silva, que foi sua ledora nos primeiros períodos de universidade. Depois eles acabaram namorando e se casando. O que o fez se apaixonar por ela foi, como ele descreve o jeito dela. “A maneira de tratar as pessoas com total cordialidade sem indiferença nem preconceito”, explica João. Angelita conta que se sente feliz com a conquista do marido e também faz parte dela, porque foi sua ledora desde as provas até algumas matérias.
O Programa de Acessibilidade da PUC Goiás é ligado à Pró-Reitoria de Graduação e acessível a todos os estudantes da universidade. Mais informações: 3946-1027 .