Quem cruza com Gemima Simprime nos corredores da PUC Goiás não sabe que por trás do sorriso gentil e do português correto mas carregado de um sotaque distante está uma mulher determinada e sonhadora capaz de mover mundos pelos seus objetivos. Estudante de Enfermagem, ela é haitiana e traz consigo uma bagagem que, com certeza, já faz diferença na sua atuação acadêmica e profissional. E agora irá participar de uma conferência mundial de jovens, nos Estados Unidos, representando o Brasil e, claro, o Haiti.
História
Gemima está com 28 anos e saiu do seu país em 2019 para estudar. O destino escolhido sempre foi o Brasil, onde dois irmãos e um tio já moravam, mas para isso era preciso convencer os pais, Josette e Ferdinand, que esta era a sua melhor escolha. Agricultores, eles mantinham a família com o que produziam e vendiam na cidade mais próxima e com a ajuda de parentes que já estavam no exterior.
Naquele momento o Haiti vivia com um dos piores índices de pobreza e desigualdade do mundo. O índice de desemprego chegava a 70%, os problemas se intensificaram após o terremoto de 2010 e a ocupação militar estrangeira. As manifestações políticas pediam a derrubada do primeiro ministro. “Eu nunca mobilizei politicamente, eu observava de longe como o país estava caindo lentamente num buraco, foi um dos fatos que motivou também a vir pro Brasil. Eu vi que daquele momento para frente não ia ter muita oportunidade pra mim no meu país”, lamenta a jovem.
Trabalhando em uma entidade internacional, Gemima juntou dinheiro para fazer seu passaporte e conseguiu comprar a passagem. Com a bênção dos pais, veio para Nhandeara (SP), e começou a cursar Enfermagem. Ela passou a morar com um dos irmãos, Emílio. E foi acolhida por membros da comunidade, que sempre a apoiaram, como ela gosta de dizer. “Sempre tenho muita sorte com as pessoas”. Quem vê sua gentileza vai achar que não é muita sorte e mais carisma.
Mas era 2019 e sabemos exatamente o que aconteceu no ano seguinte, Gemima foi surpreendida como o país inteiro pela pandemia da COVID. O que era presencial começou a ser on-line e a jovem que tinha sede de ver tudo com os próprios olhos, saída de uma ilha de 27.750 km² e passou a ficar presa a uma tela. Preferiu pausar o curso nos dois anos seguintes. “Eu ficava muito triste, no meu quarto, saudades de casa. Decidi me mudar para Goiânia onde tinha mais família”, conta ela, que então foi recebida pelo irmão André.
Neste meio tempo, Gemima viveu um novo baque. Perdeu a mãe Josette em uma batalha inglória contra a diabetes. A saúde pública no Haiti é praticamente inexistente, conta a futura enfermeira e, mesmo com a ajuda dos filhos que moram fora, a mãe teve dificuldade em manter o tratamento. “Faltou assistência e letramento em saúde no caso dela.”
Futuro
Chegando a 2022, Gemima pesquisou sobre estudar Enfermagem em Goiânia e encontrou o site da PUC Goiás. Quis entender se conseguiria ingressar na universidade e pediu um carro de aplicativo para chegar até um dos Câmpus. Saiu daqui com a certeza de que teria bolsa de 50% com o Vestibular Social. Logo encontrou uma madrinha que a ajudou com o restante do custo até conquistar uma bolsa pelo Probem.
No curso de Enfermagem, se encontrou com sua vocação e o que realmente queria fazer. Teve ajuda das colegas para aprender o português. E aproveita cada instante da universidade, tanto que neste período se tornou monitora. A próxima etapa será participar do Youth Impacts Conference 2025: a global iniciative for young leaders. Ela foi uma das 100 jovens do mundo selecionadas como ouvinte da programação, que acontece de 10 a 13 de junho, em Nova Iorque, e já sabe que o evento irá prepara-la para um objetivo maior: ser delegada da ONU.
Para conquistar esta vaga na conferência, de novo a persistência de Gemima veio à tona, ela se inscreveu em janeiro e insistiu com a organização até receber sua carta convite em março. Depois disso, correu atrás do visto e do que precisava para estar em Nova Iorque pela primeira vez, em junho, representando, de uma só vez, dois países: Brasil e Haiti.
A temática central do evento é Paz e Segurança Mundial e terá, entre os seus, alguém que vive duas realidades que se somam aos desafios mundiais. “Vivemos um tempo em que o mundo clama por paz e segurança. Por isso, é fundamental que cada um de nós saiba como promover isso ao nosso redor. Essa reflexão me despertou não apenas para agir na minha localidade, mas também para entender como representantes de outros países estão buscando fazer o mesmo.”
Gemima termina o curso de Enfermagem no final de 2026, mas quer continuar estudando. Estão nos seus planos Mestrado e Doutorado. Fazer jus à oportunidade de ter alcançado este sonho. É a única dos sete filhos de dona Josette e seu Ferdinand que alcançou o Ensino Superior. E espera que as conquistas que terá neste novo caminho possa mudar a realidade no seu país de origem, para onde só quer voltar quando puder fazer algo de fato que faça diferença pelos seus.
Ela já ajuda o pai com a renda que conquista com o estágio e a monitoria, mas diz que precisa vencer mais para melhorar a vida de quem ficou no seu país. As saudades sempre a acompanham. “Nada substitui o lugar onde você deu os seus primeiros passos.”
Mas outros passos estão no futuro de Gemima e, com certeza, de quem estiver ao seu lado.
(Fotos: Wagmar Alves)